Artigos Postado no dia: 7 maio, 2024

A COAÇÃO NA DOAÇÃO DE BENS E “A BUSCA DA SALVAÇÃO”

  • INTRODUÇÃO 

A fé e a liberdade de religiosa é algo que deve ser protegido e divulgado aos demais indivíduos. 

No entanto, há pessoas mal intencionadas que se utilizam da fé a fim de ganhar vantagens monetárias e/ou sexuais de fiéis a pretexto de garantir a esses a salvação. Assim, cogem psicologicamente os fieis a realizarem transferências de bens ou valores, ou ainda cederem a fetiches sexuais. 

O presente artigo, portanto, analisa o que seria a coação, qual a sua consequência no negócio jurídico e o caso recente de anulação de doação de bens pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais de um fiel, que foi coagido a realizar a doação de bens em prol de garantir sua salvação no mundo. 

 

  • COAÇÃO 

A coação é o ato de constranger alguém para que, sob fundado temor, este alguém pratique ação ou omissão contra sua vontade. A coação poderá ser física, quando o agente utilizar da força para obrigar a vítima, ou moral, quando o agente praticar grave ameaça à vítima.

Assim, a coação mostra o vício de vontade mais grave a macular um negócio jurídico, uma vez que a vítima que praticou o ato tem total consciência da vontade viciada que exprime, mas age dessa forma por estar sob fundado temor, físico ou moral.

 

  • 2.1) COAÇÃO FÍSICA IRRESISTÍVEL 

A coação será irresistível nas hipóteses em que o coator empregar energia corporal para forçar a vítima a cometer ato delituoso, fazendo com que a pessoa coagida fique impossibilitada de exercer seus movimentos de acordo com sua vontade, sendo, por exemplo, privada de sua liberdade. 

Nessa hipótese, não haverá excludente de ilicitude, mas sim a caracterização de conduta atípica, a qual não configura crime, uma vez que não há como se esperar conduta diversa do coagido.

Para desconstituir um negócio firmado por coação física, é cabível ação de anulação de ato jurídico, sendo que a Apelação Cível 2008.016431-5 aponta:

    Caracterizada a coação, que se consuma mediante a submissão do coacto a uma violência ou constrangimento de cunho físico ou moral, justificada está a anulação do negócio jurídico celebrado entre as partes.”

São ex tunc os efeitos da decisão que decreta a nulidade do negócio, ou seja, retroativos, visto que o negócio jurídico esteve maculado desde o seu início e, portanto, não gera quaisquer efeitos válidos.

Assim, a coação física, que deve observar o binômio de imediatidade e ponderação, gera punibilidade somente para o autor da coação e o negócio jurídico que dela resultar poderá ser desconstituído mediante decretação judicial, no prazo prescricional de 04 quatro anos, a contar da cessação do ato coator.

 

  • 2.2) COAÇÃO MORAL 

Conforme o artigo 151 e 152 do Código Civil, a coação moral é a ameaça de violência que incuta o paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens. 

Há também a possibilidade de ameaça a terceiro, mas nesse caso deverá o juiz analisar o caso concreto a fim de que se verifique a existência de coação ou não. 

A vontade do coagido, apesar de não estar completamente neutralizada, está viciada por justo temor que tem a capacidade de perturbar seu espírito. Há a escolha do coagido entre praticar o ato que lhe foi imposto, ou correr o risco de sofrer o mal ameaçado.

A coação moral exige a presença de violência psicológica praticada pelo agente coator, declaração viciada de vontade da vítima coagida e receio sério e fundado de dano grave à vítima, sua família e/ou seus bens.

Caso algum dos requisitos acima não ocorra, não há como falar em coação moral, visto que, caso não esteja viciado por erro, dolo, coação, simulação ou fraude, o negócio jurídico será considerado válido.

 

  • 2.3) CONSEQUÊNCIA NO NEGÓCIO JURÍDICO

A coação física e moral atinge diretamente elemento do negócio jurídico, qual seja a VONTADE  da parte celebrante do contrato.

Assim, acarreta anulabilidade do negócio jurídico, conforme estabelecido no artigo 171,II do Código Civil Brasileiro 

Para se obter a anulação é necessário a proposição de uma ação de anulabilidade do negócio jurídico no prazo de 4 anos, contados da cessação da coação física ou moral.

Nesse sentido, há vários julgados. Na data de 04 de maio do corrente ano, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais proferiu acordão em que anulou a doação de fiel coagido pelo pastor a doar em busca da salvação. 

 

  • JULGADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS 

Como mencionado anteriormente, a 9ª câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais reformou sentença do juiz de 1ª instância e condenou igreja a ressarcir fiel que doou valor excessivo após ser pressionado a doar a quantia para sua vida não ser “amaldiçoada”e se garantir a “salvação” da alma . O colegiado considerou que o fiel foi pressionado psicologicamente em doar a quantia em troca de uma suposta “bênção de Deus”.

Segundo o processo, o fiel vendeu uma propriedade no valor de R$ 413 mil, e entregou o contrato para a igreja para que fossem feitas orações. No entanto, ao saber do valor da negociação, o pastor teria assediado o fiel, tentando convencê-lo a doar a quantia, afirmando que, caso contrário, sua vida estaria amaldiçoada.

Diante disso, o homem fez doação de R$ 269 mil, sendo R$ 146 mil por meio de cheques, R$ 40 mil de um imóvel, R$ 22 mil de um automóvel e R$ 60 mil em espécie.

Em sua defesa, a instituição religiosa sustentou que não houve “vício de consentimento e coação moral”. Ainda conforme a igreja, a suposta doação da casa não teria sido concretizada, tendo a documentação sido encaminhada ao departamento jurídico da igreja apenas para análise de “futura doação do imóvel”. 

Após a análise dos argumentos e das provas, o juiz de 1ª instância julgou procedente a ação de anulação da doação. Inconformada com a sentença, a entidade religiosa recorreu.

Ao ser distribuído na 9ª Câmara, a apelação foi destinado ao desembargador Amorim Siqueira, o qual votou para reformar a sentença sob o fundamento de que o fiel não conseguiu provar que fez a doação de R$ 60 mil em espécie à igreja. O magistrado também isentou a instituição de ressarcir os R$ 40 mil do imóvel, sob o fundamento de que não ficou comprovado que a casa teria sido transferida para a denominação.

No entanto, o relator manteve a decisão com relação aos demais valores. Ele considerou que ficou evidenciado que o fiel foi pressionado pelo religioso a “vender tudo o que tinha em troca de uma suposta bênção de Deus”. Para o magistrado, o fiel é uma pessoa vulnerável a este tipo de pressão. 

O desembargador Leonardo de Faria Beraldo e o juiz convocado Fausto Bawden de Castro Silva votaram de acordo com o relator.

Assim, o presente julgado, além de demonstrar a importância de uma assessoria jurídica que irá pedir as provas necessárias e orientará nas aquisições dos documentos necessários para a comprovação, demonstra precedente que favorece a anulação de negócio jurídico em casos de coação moral psicológica. 

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