Artigos Postado no dia: 20 julho, 2023

Fui condenada a pagamento de multa como pena alternativa à prisão. Tenho direito ao benefício da suspensão condicional do processo ou a transação penal?

  1. Considerações iniciais

Antes de responder propriamente a pergunta central do texto, cumpre-nos esclarecer, para melhor entendimento e de maneira breve , o que consistiria a pena de multa alternativa à prisão, a suspensão condicional do processo e a transação penal.

Assim, realizamos brevemente uma síntese dos principais pontos de cada instituto .

  1. Penas restritivas de direito e a substituição da pena privativa de liberdade 

Também chamada de pena alternativa, essa vem prevista nos artigos 44 e seguintes do código penal brasileiro que assim a define:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

 

        I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;(Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

 

        II – o réu não for reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

 

        III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

 

Assim, apresentando os requisitos cumulativos descritos no artigo 44 o agente , se condenado pelo crime imputado na ação penal apresenta o direito de ter a pena privativa de liberdade ( prisão) em uma, duas ou três penas restritivas de direito, de acordo com os anos fixados pelo Magistrado na sentença (parágrafo 2º do artigo 44 determina a quantidade de penas restritivas de acordo com a quantidade de pena fixada em sentença).

(…) § 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.

 

O artigo 43 do mencionado diploma legal, por sua vez, define as penas consideradas como restritivas de direitos: prestação pecuniária (ou também chamada de multa), perda de bens e valores, limitação de fim de semana prestação de serviço à comunidade ou a uma instituição pública, interdição pública de direitos e limitação de fim de semana.

Essa subsittuição também é admitida ao reincidente,quando for, de acordo com o entendimento do Juiz, a medida social mais socialmente recomendada e a reincidencia não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.

  1. Suspensão Condicional Processo

A suspensão condicional do processo, ou trambém chamada de “sursis processual”, consiste em um instituto de natureza híbrida, de direito penal e processual penal, que foi introduzido no ordenamento jurídico pátrio pela Lei nº. 9.099/95, lei que regulamenta o procedimento e organização dos Juizados Especiais Civeis e Criminais, em seu artigo 89.

No entanto, o referido instituto também é aplicado a crimes não sujeitos ao sistema dos Juizados.

Os requisitos legais para a concessão do benefício são os seguintes:

1) o crime imputado ao réu não pode estar sujeito à jurisdição militar (art. 90-A);

2) a pena mínima cominada ao crime deve ser igual ou inferior a 1 (um) ano;

3) o réu não pode estar sendo processado por outro crime;

4) o réu não pode ter sido condenado por outro crime; e

5) devem estar presentes os requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (o agente não seja reincidente em crime doloso; a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código- requisitos previstos no art.77 do Código Penal).

Assim, em todas as hipóteses em que o acusado apresentar os requisitos legais mencionados, o Ministério Público deverá oferecer-lhe a proposta de suspensão condicional do processo. Caso não ofereça, deverá justificar fundamentadamente a recusa.

  1. Transação Penal

A transação penal é um instituto jurídico que confere ao Ministério Público a possibilidade de realizar espécie de acordo com o agente, no qual este último aceita cumprie as determinações e as condições propostas pelo promotor em troca do arquivamento do processo criminal

Esse instituto apresenta-se previsto no artigo 76 do Código Penal que assim o define:

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.”
Em relação a natureza jurídica da transação penal, vale o entendimento dos doutrinadores Pedro Henrique Demercian e Jorge AssafMaluly:

‘Se a medida cumulada com a proposta do promotor de justiça, submetida à transação e posterior homologação judicial, for considerada sanção penal em sentido estrito (‘na exposição de motivos que acompanhou o Projeto n.° 1.48089, está consignado, expressamente, que: ‘a sanção tem natureza penal, mas sem reflexo na reincidência..,’ Ada Peliegrini Grinover, Novas Tendências do Direito Processual, p. 407), há que se buscar como razoável critério de interpretação alguma forma de equiparação da indigitada proposta à denúncia, como meio de se assegura uma forma especia/issima de procedimento legal e o conseqüente resguardo do dite process of law. A sentença homnologatória dessa transação terá, nessa ordem de idéias, natureza condenatória, servindo como título executivo.

E mais: será mesmo conveniente que na proposta e, posteriormente, na própria transação, venha indicada a virtual capitulação deilitiva a ser dada pelo Ministério Público, para que o suspeito possa tecer um juizo de prelibação quanto à viabilidade de sua aceitação. Talvez esta posição venha a ser adotada pela doutrina mais abalizada. Entretanto, pelas razões a seguir aduzidas, ousamos dela discordai’. Ressalte-se, inicialmente – e, uma vez mais, ressalvando-se eventuais posicionamentos em sentido contrário (em face de novidade do assunto,) -, que as medidas cumuladas com a proposta do Ministério Público, con quanto recebam, num primeiro momento, a denominaçãode penas restritivas de direitos e multa, não podem ser encaradas como sanções de natureza penal em sentido estrito. Com efeito, essas ‘sanções especiais’ não trazem em si, a nosso ver, o sentido de reprovahilidade ético-jurídica e tampouco se assentam no reconhecimento da culpabilidade do suposto autor do fato. Tanto é verdade que não geram “reincidência “, não constarão das certidões de “antecedentes criminais” (‘salvo para a não obtenção de novo benefício no prazo de cinco anos e muito menos repercutirão na esfera cível para efeito de reparação do ex-delicto (art. 76, 4° e 6°,). Não é demais consignar, outrossim, que em nenhum momento, quando trata da transação, a Lei fala em “sentença penal condenalória” ou ‘condenação’, expressões que iradi,:em, inequivocadamente, a aplicação de uma medida efetivamente penal (DEMERCIAN. Pedro Henrique. e MALULY, Jorge Assaf. Juizados Especiais Criminais – Comentários. lcd. Rio de Janeiro: Aide. 1996. p. 61

 

Quanto aos requisitos necessários para a sua realização, verifica-se que esses vem previstos no artigo 76,§2º do Código Penal.

Assim, para a concessão desse benefício é necessário que o agente:

  • Não tenha sido condenado pela prática de crime, à pena privativa de liberdade
  • Não tenha sido beneficiado pela aplicação de pena restritiva ou multa nos ultimos cinco anos;
  • seus antecedentes, conduta social a personalidade, as circunstâncias e os motivos do crime demonstrem que a medida seja reprimenda social suficiente para a reprimenda de seu ato
  • não seja o caso de arquivamento do processo

Assim, o Membro do Ministério Público analisará as circunstâncias previstas no artigo 59, do Código Penal, para a sua efetuação, cujos limites estarão fixados pelos parâmetros legais do preceito secundário, ou seja, entre o máximo e o mínimo previstos para a sanção penal. O Representante do órgão ministerial na escolha da sanção a ser transacionada, tem certa margem de discricionariedade para aplicá-la, atendidos alguns parâmetros.

Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz a fim de que seja homologada .

Essa aceitação deve ser necessariamente expressa do autuado e de seu defensor. A manifestação de vontade do acusado é personalíssima, voluntária, absoluta, formal, vinculante e tecnicamente assistida.

No caso de discordância pelo agente e seu defensor, pela não anuência com os termos da transação ou pela preferência da via jurisdicional, as partes passarão á fase seguinte da audiência preliminar,com o oferecimento da denúncia oral e prosseguimento do feito.

Deve-se ressaltar, no entanto, que a aceitação da proposta é de submissão voluntária à sanção penal, mas não significa reconhecimento da culpabilidade penal, nem de responsabilidade civil pelo réu. Trata-se de estratégia da defesa, pois o autor do fato não está obrigado a transigir.

  1. Pena alternativa de multa dá direito aos beneficios penais do sursis processual e da transação mesmo que se ultrapasse o limite dos institutos?

Depois de brevemente explicitados os institutos envolvidos, passa-se a análise da pergunta central do presente artigo.

Como verificamos, quando há aplicação de multa como única pena alternativa, significa que a pena atribuída é inferior a um ano ou que o tipo penal apresenta como preceito secundário (pena) a multa, diante da baixa lesividade ao bem jurídico perpetrado no tipo penal.

Dessa forma, tratando-se de pena menos gravosa que qualquer pena privativa de liberdade e pena restritiva de direito, tem-se por satisfeito um dos pressupostos para a concessão dos benefícios como explicitado, ainda que o tipo penal, ou seja, a descrição das condutas consideradas como crime, estipule sanção penal acima do mínimo legal estabelecido para a concessão dos benefícios de transação penal e suspensão condicional do processo.

Nesse sentido, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça mais de uma vez:

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (SURSIS PROCESSUAL). REQUISITOS LEGAIS. PREVISÃO DE PENA DE MULTA ALTERNATIVAMENTE À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. PRECEDENTES. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO.
1. “Os requisitos de admissibilidade da suspensão condicional do processo encon
tram-se taxativamente elencados no art. 89, caput, da Lei n.º 9.099/95, a saber: (I) pena mínima cominada igual ou inferior a um ano; (II) inexistência de outro processo em curso ou condenação anterior por crime; (III) presença dos requisitos elencados no art. 77 do Código Penal: não reincidência em crime doloso aliada à análise favorável da culpabilidade, dos antecedentes, da conduta social, da personalidade do agente, bem como dos motivos e circunstâncias do delito que autorizem a concessão do benefício.”
(RHC n. 91.575/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 19/6/2018, DJe 29/6/2018). 2. Ao interpretar o mencionado dispositivo legal, esta Corte Superior de
Justiça firmou o entendimento de que a previsão no tipo penal secundário de sanção alternativa de multa, que é menos gravosa do que qualquer sanção privativa de liberdade ou restritiva de direito, satisfaz o requisito objetivo para a concessão da benesse.
3. Na hipótese, verifica-se que a pena mínima cominada ao delito em tipificado no art. 7, IV, ‘a’, da Lei n. 8.137/1990 é de 2 (dois) anos de detenção ou multa, o que permite a concessão do benefício legal.

4. Recurso ordinário provido para determinar que o Ministério Público reexamine a possibilidade de oferecimento da suspensão condicional ao paciente, com extensão do provimento à corré.(STJ.RHC118.353/PB)

 

PEDIDO DE EXTENSÃO EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. QUADRILHA E CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. CONCURSO ENTRE DELITO CUJA PENA MÍNIMA É DE 1 (UM) ANO E CRIMES QUE COMINAM SANÇÃO ALTERNATIVA DE MULTA. PREENCHIMENTO DO REQUISITO OBJETIVO DO ARTIGO 89 DA LEI 9.099/1995. IDENTIDADE DE SITUAÇÕES PROCESSUAIS. EXTENSÃO DEFERIDA. 1. Esta Quinta Turma, por unanimidade de votos, proveu parcialmente o recurso ordinário constitucional para afastar o óbice levantado pelas instâncias de origem para não propor aos recorrentes o benefício da suspensão condicional do processo.

  1. Verificada a identidade fático-processual entre o requerente e os recorrentes, todos denunciados como incursos nos artigos 288 do Código Penal, 4º, inciso I, alínea “a”, 4º, inciso II, alínea “a”, e 4º, inciso I, alínea “f”, todos da Lei 8.137/1990, e que a decisão que proveu parcialmente a insurgência não se encontra fundada em motivos de caráter pessoal, aplica-se o disposto no artigo 580 do Código de Processo Penal.
  2. Pedido de extensão deferido para determinar que o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios se manifeste sobre a proposta de suspensão condicional do processo, afastado o óbice relativo à pena mínima cominada aos crimes imputados ao requerente.(STJ.RHC 83320/DF.publicado em DJe 14 Dez 2018)

 

PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 7.º, IX, DA LEI N.º 8.137/90. PENA MÍNIMA COMINADA IGUAL A DOIS ANOS. PREVISÃO ALTERNATIVA DE MULTA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. TRANSAÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

  1. O preceito sancionador do delito descrito no art. 7.º, IX, da Lei n.º 8.137/90 comina pena privativa de liberdade mínima igual a dois anos ou multa.
  2. Consistindo a pena de multa na menor sanção penal estabelecida para a figura típica em apreço, é possível a aplicação dos arts. 76 e 89 da Lei n.º 9.099/95.
  3. Recurso ordinário a que se dá provimento, a fim de que o Ministério Público do Estado de São Paulo se manifeste acerca das propostas de transação penal e suspensão condicional do processo, afastado o argumento referente à pena mínima cominada para o referido crime.(STJ. RHC 54429. Publicado em DJE 29/04/2015)

 

Assim, diante do exposto, verifica-se ser plenamente cabível a suspensão do processo e a transação penal para os delitos que preveem pena de multa alternativamente à pena de liberdade.

No entanto,por não apresentar na 1ª instância um entendimento pacificado, vez que ainda encontramos decisões vedando tal concessão, importante a contratação de profissional especializado na área a fim de proporcionar a orientação necessária para a obtenção dos benefícios aqui tratados.