Artigos Postado no dia: 11 junho, 2024

RENÚNCIA PRÉVIA A DIREITOS SUCESSÓRIOS: DECISÃO DO CSM do TJSP.

  1. INTRODUÇÃO 

Tornou-se comum principalmente em pactos antenupciais ou contratos de convivência, cláusulas onde o cônjuge desiste de forma prévia de seus direitos sucessórios. Ha, principalmente, a partir de outubro do ano passado grande discussão por parte dos juristas e doutrinadores sobre a validade dessa cláusula, principalmente diante da análise do dispositivo 426 do Código Civil que veda a disposição contratual sobre herança de pessoa viva a época da celebração do contrato. 

Essa temática, que parecia superada, ressurgiu nos debates acadêmicos, notadamente depois decisão proferida pelo Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, composto pelo Presidente e pelo Vice-Presidente da Corte, pelo Corregedor Geral da Justiça, pelo Desembargador Decano e pelos Presidentes das Seções de julgamento

Assim, o presente artigo irá analisar a decisão proferida pelo órgão e os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários sobre o referido tema. 

     2. CASO EM CONCRETO E A DECISÃO DO CSM

O caso que levou ao proferimento da decisão do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo consistiu na insurgência contra decisão do oficial do cartório de não registrar pacto de convivência com cláusula de disposição prévia sucessória pelos cônjuges.

Conforme os cônjuges, a conclusão do registrador de imóveis segundo a qual a renúncia ao direito concorrencial do companheiro pudesse ser tida como um pacto sucessório, nos termos do art. 426 do Código Civil , ou seja,  como uma deliberação de herança de pessoa viva e como uma renúncia de herança a termo, seria indevida, uma vez que as partes envolvidas, sendo maiores e capazes, externalizaram sua vontade de que, no caso de existência de descendentes ou ascendentes, estes herdem a totalidade da herança deixada pelo falecido, honrando o desejo dos conviventes de que o sobrevivente não concorra com eventuais ascendentes ou descendentes existentes no momento da abertura da sucessão do outro.

De igual forma argumentaram que os cônjuges interessados que seria possível a renúncia ao direito real de habitação, por instrumento público e desde que um dos conviventes confirmasse esse seu consentimento, livre e desimpedido, depois do óbito do outro companheiro. 

No entanto, para o órgão do Conselho Superior de Magistratura este tipo de cláusula é inviável de permanecer como válida, diante da patente violação ao artigo 426 do Código Civil que assim prevê: 

Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.

O órgão ainda concluiu pela impossibilidade de registro da escritura pública, mesmo porque não seria uma “renúncia à pretensão sucessória”, mas uma “renúncia à concorrência sucessória” do companheiro com os ascendentes ou descendentes do falecido.

Pela mesma razão de direito, é também nula a renúncia ao direito de habitação, uma vez que, em contravenção ao mencionado artigo 426 do Código Civil, se dispôs sobre herança de pessoa viva”.

      3. O QUE A JURISPRUDÊNCIA E DOUTRINA DEFENDEM SOBRE A QUESTÃO 

Primeiramente, deve-se destacar que o Superior Tribunal de Justiça-STJ, tem sido firme no entendimento de que é necessário o afastamento da súmula 377 do Supremo Tribunal Federal- STF, tanto para o casamento quanto para a união estável, desde que comprovado o esforço comum do consorte, para que haja a divisão do patrimônio. (STJ, EREsp n. 1.623.858/MG, relator Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Segunda Seção, julgado em 23/5/2018, DJe de 30/5/2018). 

No que se refere a doutrina, vinha-se admitindo o afastamento da sumular no contrato havido entre as partes: “é lícito aos que se enquadrem no rol de pessoas sujeitas ao regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641 do Código Civil) estipular, por pacto antenupcial ou contrato de convivência, o regime da separação de bens, a fim de assegurar os efeitos de tal regime e afastar a incidência da Súmula 377 do STF” (Enunciado n. 634, aprovado na VIII Jornada de Direito Civil, em 2018), bem como “podem os cônjuges, por meio de pacto antenupcial, optar pela não incidência da Súmula 377 do STF” (Enunciado n. 81, da I Jornada de Direito Notarial e Registral, promovida em 2022).

Como outro precedente que resguarda esse importante entendimento, tem-se a decisão proferida  no final de 2021 pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na mesma linha, deduzindo que:

 “no casamento ou na união estável regidos pelo regime da separação obrigatória de bens, é possível que os nubentes/companheiros, em exercício da autonomia privada, estipulando o que melhor lhes aprouver em relação aos bens futuros, pactuem cláusula mais protetiva ao regime legal, com o afastamento da Súmula n. 377 do STF, impedindo a comunhão dos aquestos” (STJ, REsp 1.922.347/PR, 4.ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 07.12.2021, DJe 1.º.02.2022). 

No entanto, deve-se ressaltar que, de acordo com o que a doutrina e jurisprudência majoritária vem afirmando, o afastamento da Súmula n. 377 do STF não implica a possibilidade de, por ato inter vivos, gerar efeitos sucessórios, sob pena de sua nulidade absoluta, por caracterizar pacto sucessório e desrespeito ao art. 426 do Código Civil, segundo o qual não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva. 

Sobre a impossibilidade de renúncia à concorrência sucessória do cônjuge ou companheiro com os descendentes – tratada pelo art. 1.829, inc. I, do Código Civil -, a jurisprudência superior também havia concluído que “com a dissolução da sociedade conjugal operada pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente terá direito, além do seu quinhão na herança do de cujus, conforme o caso, à sua meação, agora sim regulado pelo regime de bens adotado no casamento. O artigo 1.655 do Código Civil impõe a nulidade da convenção ou cláusula do pacto antenupcial que contravenha disposição absoluta de lei” (STJ, REsp n. 954.567/PE, relator Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 10/5/2011, DJe de 18/5/2011). Como está nesse acórdão e no comando por último aludido, não se pode contrariar, por convenção dos cônjuges ou dos companheiros, disposição absoluta de lei, assim entendida a norma de ordem pública, como a que reconhece o direito sucessório e que tutela a concorrência sucessória do cônjuge e do companheiro, nos termos do que está expresso no art. 1.829 do CC. 

         4. CONCLUSÃO 

Assim a decisão do órgão do Tribunal paulista afasta a possibilidade de registro dos pactos e contratos celebrados entre cônjuges ou companheiros de renúncia à herança, à concorrência sucessória e ao direito real de habitação em todo o Estado de São Paulo. Entendeu-se que tais convenções são ilegais, eivadas de nulidade absoluta, a mais grave das invalidades. Isso traz aos advogados e tabeliães dessa unidade da federação uma orientação clara de não elaborarem tais negócios, sobretudo por escrituras públicos, sob pena de uma possível responsabilização do profissional que os recomenda aos seus clientes. Como tenho alertado, há uma constante e infeliz profusão de atos e negócios jurídicos nulos no âmbito sucessório – como se dá com o fenômeno das “holdings familiares” -, e que não trazem qualquer segurança para as partes que o compõe ou celebram.

O segundo ponto que deve ser observado é que ainda existem normas da Corregedoria Geral de Justiça que contrariam expressamente a decisão paulista como é o caso da norma da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, de 19 de dezembro de 2022, inserida no seu novo Código de Normas (Provimento CGJ n. 87/2022). Consoante o seu art. 390, poderão constar nas escrituras públicas de união estável, a serem lavradas pelos Tabelionatos do Rio de Janeiro, cláusulas dispondo sobre regime de bens. E entre essas cláusulas, está expresso no § 3º desse comando que “a cláusula de renúncia ao direito concorrencial (art. 1.829, I, do CC) poderá constar do ato a pedido das partes, desde que advertidas quanto à sua controvertida eficácia”.

Mais uma vez com o devido respeito, e isso ficou claro com a decisão do Tribunal Paulista, a consequência da previsão da cláusula de renúncia ao direito concorrencial é a nulidade absoluta virtual ou implícita do pactuado (art. 166, inc. VI, segunda parte, do Código Civil), e não a mera ineficácia, como está na norma do Rio de Janeiro. Não se pode falar, portanto, em “controvertida eficácia” da cláusula de renúncia ao direito de herança ou à concorrência sucessória, mas em sua nulidade absoluta, por afronta a normas cogentes ou de ordem pública, que não podem ser afastadas por convenção entre as partes, isto é, pelo exercício da autonomia privada.

A clara colisão agora existente entre a decisão paulista e a norma fluminense demostra a urgente necessidade de a questão ser resolvida no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, não se podendo aceitar decisões conflitantes sobre o tema, em unidades diversas da federação. 

No entanto, enquanto não se apresenta texto unificado sobre este ponto, cabe as partes terem a devida orientação jurídica por advogado especializado de sua condiança para que seja possível atender a norma legal e ainda os interesses das partes 

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